segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Dizem que a imprensa esportiva é amarga. Não concordo muito.

Reforços?

Dizem que o torcedor é muito exigente, que vaia até minuto de silêncio. Dizem também que a imprensa esportiva é amarga e tem uma visão excessivamente crítica dos fatos. Não concordo muito com isso, mas vamos admitir que seja verdade. Vamos supor que torcedores e jornalistas tenham em comum o ceticismo em relação aos fatos do mundo esportivo. Isso pode até ser assim ao longo da temporada, mas, ao menos nessa época do ano, é impossível não perceber um deslavado otimismo, tanto nos comentários dos torcedores quanto na cobertura da imprensa futebolística. E todo esse otimismo se escancara já no substantivo utilizado para designar todos os jogadores contratado pelos clubes no início de temporada: “reforços”.

Reforços. Eis aqui uma palavra que exala bem-aventurança. Fulano se juntou ao elenco do clube tal: Fulano é reforço. Ou seja, veio para somar, para dar esperanças – mesmo que, na prática, saibamos que muitos dos fulanos virão mesmo é para atrapalhar. “Há males que vem para te ferrar” – costuma dizer, ironicamente, meu irmão. É verdade. Se há males que vem para bem, outros só servem mesmo é para complicar. Alguns “reforços” são assim. Especialmente se forem jogadores encrenqueiros, ou mercenários com passes vinculados a empresários espertalhões, ou veteranos que jogam apenas com o nome, ou tudo isso ao mesmo tempo, como é comum ocorrer. E assim, jogadores que deram errado nos últimos cinco clubes que defenderam chegam a um sexto e são logo anunciados como reforços, goleiros que engoliram não sei quantos frangos na temporada passada mudam de camisa e viram... reforços!

Alguns reforços são mesmo reforços, pois são jogadores diferenciados ou que foram inegavelmente bem na última temporada. Se o Flamengo trouxer Nilmar do Corinthians, estará trazendo um reforço. Talvez mais até do que Souza, artilheiro do último Campeonato Brasileiro, mas que ainda me dá a impressão de perder mais gols do que faz. Outros reforços, apesar de parecer óbvio que somarão aos seus novos clubes, podem causar surpresas desagradáveis. Por exemplo: alguém duvida que um craque como David Beckham será um luxo para uma equipe de pouca tradição como o Los Angeles Galaxy? Ora, é claro que o clube da liga norte-americana, a MLS, que ainda engatinha, jamais teve um craque como o pop star inglês. O Galaxy pagará US$ 250 milhões só de salários para tê-lo por cinco anos. Nada se compara a isso no mundo do futebol. Para que se tenha uma idéia, o jovem talento inglês Shaun Wright-Phillips foi comprado pelo poderoso Chelsea por US$ 44 milhões. Isso quer dizer que, ao final do contrato, só com seu salário, Beckham poderá comprar seis Wright-Phillips. Sem falar no que ele vai faturar em contratos publicitários e fazendo filmes em Hollywood, onde certamente irá morar, numa inevitável mansão em Beverly Hills.

A pergunta a fazer é: em meio a tantas distrações e tentações, Beckham terá paciência para jogar futebol? E seus companheiros, com salários que são frações do dele, gostarão de vê-lo jogar só com o nome? É justamente essa a hora em que um reforço de verdade pode se transformar num reforço entre aspas. O mesmo pode ser dito em relação a outro multimilionário em vias de ser dispensado pelo Real Madrid: Ronaldo. Se deixar mesmo a equipe merengue para jogar pelo clube saudita Al-Ittihad, será que o Fenômeno, que já ganhou tudo dentro de campo, encontrará motivação para lutar pelo título e ser o artilheiro da Liga Árabe? É pouco provável. É por essas e outras que acredito que nós, torcedores e cronistas, temos que ser mais cuidadosos na hora de usar a palavra reforço.


Marcos Caetano ESPN Brasil
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